Autores:
Rafaella Marinelli Lopes[1]
“Matar um homem
para salvar o mundo não é atuar para o bem do mundo. Imolar-se a si mesmo, eis
o que é agir bem.”
Confúcio
Recentemente o Governo Federal editou a Medida
Provisória (MP) n.º 621, de 8 de julho de 2013, que institui o “Programa Mais
Médicos” para o Brasil cujo objeto principal é a implementação de política
pública voltada ao desenvolvimento da área médica em regiões defasadas dos
provimentos mais básicos de saúde. O programa propõe a adoção de novos
paradigmas para o avanço da saúde pública nacional, incluindo a criação de
novas instituições de medicina e a formação elevada de médicos em áreas consideradas
contingentes. Imbuído desse pretexto, a Medida Provisória traçou um novo marco
regulatório para a autorização de cursos de medicina, o qual é totalmente
diverso de todos os outros cursos no Brasil.
Como é cediço, o Decreto no
5.773, de 9 de maio de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de
regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior, servia
de referencial regulatório para os processos de autorização dos cursos de
graduação médica no país. A partir de julho de 2013, porém, dadas as alterações
propostas pela MP n.º 621/2013, referido curso passou a ser uma
excepcionalidade dentre as demais graduações, não sendo mais abalizado pelo
decreto acima, conforme será explicado adiante.
Precedentemente, desde que observadas
normas gerais da educação nacional e mediante autorização e avaliação de
qualidade pelo Poder Público, os cursos de medicina dependiam somente da
iniciativa privada para que fossem estabelecidos. Ou seja, o Ministério da
Educação, por meio sua Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação
Superior (SERES), distribuía entre esses as funções de regulação do referido
curso. O fluxo normal do processo para autorização do curso de medicina
perpassava pelo caminho normal disciplinado pelo Decreto n.º 5.773, de 2006[3],
rendendo observância à manifestação, teoricamente não vinculativa, do Conselho Federal
de Medicina, previamente à autorização pelo Ministério da Educação. Esse era o
procedimento até então utilizado.
O processo atual, porém, fora completamente
alterado, não bastando a livre iniciativa da faculdade particular para que a
graduação médica seja autorizada. Após a Medida Provisória 621/2013, o Poder
Público delegou total competência ao Ministro da Educação para dispor de
regulamentações abruptas quanto à abertura e autorização do funcionamento dos
cursos de medicina no território nacional, até mesmo porque a suma moção do
“Programa Mais Médicos” é distribuir os futuros profissionais em territórios
carecidos dos provimentos mais essenciais à saúde.
Nas disposições gerais da referida
Medida Provisória, dentre as diversas diretrizes propostas, está a de
estabelecer mais recursos humanos na área médica, destinados aos seguintes
objetivos: atender regiões prioritárias com carência de médicos, fortalecer a
prestação de atenção básica de saúde, aprimorar a formação médica, inserir os
médicos no SUS contatando-os com as políticas públicas nacionais, promover a
troca de conhecimentos entre profissionais de saúde brasileiros e estrangeiros
e estimular a área de pesquisa aplicada ao Sistema Único de Saúde. Ou seja,
busca-se uma ampliação educacional e prática na formação médica, proporcionando
maior adesão dos futuros profissionais à verdadeira realidade da saúde pública
disposta pelo país.
Não se podem perceber planos retroativos
ou que ferem a independência do liberalismo profissional médico, como muitos
contra-atacam, visto que as vagas de estudos e serviços estarão sendo
concorridas por qualquer estudante de medicina com a pretensão de atender
profissionalmente regiões precárias. Receberão, para tanto, bolsa-auxílio do
governo federal e, acima de tudo, se beneficiarão do aprendizado na área
pública de saúde e nas políticas públicas que nela são amplificadas. O que há,
indiscutivelmente, é a fidedigna aspiração em pulverizar os futuros médicos em
formação pelo país, a fim de acudir áreas completamente defasadas nos quesitos
saúde e atendimento público.
Em princípio, a asserção do programa é
projetar o estímulo à iniciativa das instituições privadas para a abertura de
novos cursos de medicina em áreas ainda em desenvolvimento potencial. A
prioridade, portanto, serão regiões com menor relação de médicos por habitante,
desde que sejam capazes de ofertar campo de prática suficiente e com os
instrumentos necessários aos alunos aprendizes. Este, porém, é um dos pontos
conturbados e muito criticados do dispositivo publicado pela Presidência, pois,
como é de conhecimento geral, a saúde pública no país é desprovida por completo
dos seus recursos mais elementares.
Contudo, de acordo com o projeto, para o
desenvolvimento das ações oferecidas, diversos instrumentos de cooperação entre
o poder público e outros organismos privados acondicionados à causa. Ou seja, o
organismo público, levando em conta sua própria insuficiência programática e
orçamentária, buscou se amparar em outros órgãos internacionais, instituições
de ensino superiores nacionais e estrangeiras e outras entidades privadas para
a concretização do seu projeto, inclusive no que diz respeito ao repasse de recursos
financeiros a essas instituições, que se comprometerão também em fomentar essa
política governamental.
Preliminarmente, tais cursos serão
autorizados a se estabelecerem somente em regiões de extrema precariedade, não
sendo passível a abertura de novas graduações médicas em locais saturados
desses profissionais. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, primeiro
colocado no equacionamento do número de médicos por habitante - estimado em
2,82 segundo o estudo “Demografia Médica no Brasil 2” e
divulgado pelo Conselho Federal de Medicina
-, torna-se impraticável a proposta do “Programa Mais Médicos”. Isto porque o
Sudeste e o Sul brasileiros trazem grandiosos números de vagas em suas
instituições, além de vultosos instrumentos para a formação “ensino-serviço”
dos discentes que, mesmo depois de formados, permanecem agregados nessas
localidades desenvolvidas por conta das vistosas ofertas de trabalho.
Para que ocorra a pré-seleção dessas
extensões ineptas, onde serão instalados os cursos de medicina, o Ministério da
Educação editou a Portaria Normativa no 13, a qual institui alguns
procedimentos de apuração dos municípios que anseiem aderir ao programa por
meio de instituições de educação superior privadas. Tais procedimentos adotados
são pré-requisitos excludentes das cidades interessadas e compreendem a
relevância e a necessidade sociais do curso ofertado em determinada região,
assim como a estrutura dos equipamentos públicos e programas de saúde
existentes e disponíveis. A apuração dos municípios aptos ao funcionamento
desse tipo de graduação será de competência da Secretaria de Regulação e
Supervisão da Educação Superior (SERES), assim delegada pelo próprio Ministro
da Educação.
Após passar pelos critérios de admissão
da SERES, competente pela apuração discorrida acima, o município requisitado
deverá celebrar termo de adesão com essa mesma Secretaria com o objetivo de
efetivar sua inclusão em edital de chamamento público. Eleitas as melhores
propostas educacionais para a abertura dos cursos de medicina, serão publicados
os nomes das instituições vencedoras, as quais serão subsidiadas pela estrutura
do Serviço Único de Saúde (SUS) de cada regional selecionada. Caso a estrutura
municipal convocada não contenha todos os elementos adequados e postos à
disposição, a SERES também fica responsável pela verificação da disponibilidade
de estruturas em outros municípios integrantes da mesma região.
Ademais, novas portarias serão editadas
para direcionar minuciosamente os novos procedimentos de autorização. Por
conseguinte, as mesmas portarias estarão aptas a alterar os demais órgãos
públicos em suas anteriores competências com relação aos atos autorizativos dos
cursos médicos. Entenda-se, porém, que a partir das novas alterações, se
promovida à lei a referida medida provisória, o Ministro da Educação terá
totais poderes de redirecionar todo o processo de autorização, congênere ao que
aduz o artigo 3o da aludida medida.
Vivemos, certamente, uma situação de
caos e desespero na saúde pública, tendo em vista que a mesma não tem a
instrumentalização devida e é desprovida de recursos mais capitais, motivo pelo
qual uma única esperança é latente: a mudança. Se não ocorrerem alterações nos
planos de disposição das unidades básicas de saúde por todo o território
nacional, a começar pelo atendimento básico, pelos recursos e profissionais
capacitados a atenderem a rede pública, permaneceremos com regiões ainda
sub-humanizadas e definhando ao descaso.
A perspectiva de autorização dos cursos
de medicina com base na sistemática acima já é o começo das novas alterações na
saúde pública que estão por vir e que irão surpreender ainda mais. Uma maior e
melhor distribuição das faculdades de medicina e, consequentemente dos médicos
em extensões precárias, é muito mais que investir basicamente na saúde. É,
antes de tudo, iniciar a humanização de regiões brasileiras subdesenvolvidas,
desprovidas do direito social mais básico do ser humano.
Por outro lado, a justificativa de
apenas autorizar cursos de medicina em locais considerados prioritários pode
abrir um perigoso precedente em outros cursos de graduação, que podem adotar o
mesmo critério e, com isso, causar uma estagnação no setor. Da mesma forma, a
adoção dos critérios acima também pode transformar o discurso da prioridade em
um discurso meramente político, tendo em vista que essa posologia foi utilizada
em um passado recente e não curou a endemia da falta de médicos em áreas
efetivamente necessitadas.
[1]. Graduanda em Direito pela
Universidade Paulista (UNIP) de São José do Rio Preto.
[2]. Sócio da Covac
Sociedade de Advogados; Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UniCEUB/DF;
MBA em Direito e Política Tributária pela FGV/DF, Membro Honorário da
Associação Internacional de Jovens Advogados (AIJA); Membro do Grupo de
Pesquisa em Finanças Públicas no Estado Contemporâneo (GRUFFIC); Professor de
Direito Tributário; Professor da Escola Superior da Advocacia OAB/DF; Autor de
vários artigos nacionais e internacionais; Membro da Comissão do Terceiro Setor
da OAB/DF. Laureado com o Prêmio Evandro Lins e Silva,
concedido pela Escola Nacional de Advocacia do Conselho Federal da OAB.
Indicado com um dos dez advogados mais admirados no setor de educação, Revista
Análise Advocacia 500, 2012. Diversos títulos e prêmios obtidos no país e no
exterior.
I - protocolo
do pedido junto à Secretaria competente, instruído conforme disposto no art. 30
deste Decreto;
II - análise documental pela
Secretaria competente;
III - avaliação
in loco pelo INEP; e
IV - decisão
da Secretaria competente.