sexta-feira, 28 de setembro de 2012

ISENÇÃO FISCAL DAS ENTIDADES MANTENEDORAS DE ENSINO SUPERIOR: A CASUÍSTICA DO PROUNI



            A isenção é, via de regra, caracterizada pela doutrina nacional como a dispensa legal do pagamento do tributo devido1. Consiste num favor concedido por lei, no sentido de dispensar o contribuinte do pagamento do tributo, havendo a concretização do fato gerador do tributo, sendo este devido, mas a lei dispensa o seu pagamento2. Alguns doutrinadores entendem que a isenção configura hipótese de deslocação tributária, não havendo sequer a respectiva obrigação tributária principal3. O fato é que a norma de isenção, obstando o nascimento da obrigação tributária para o seu beneficiário, produz o que a doutrina chamou fato gerador isento. Se a isenção é concedida sob a forma de condição resolutiva, cessada essa condição para a sua outorga, não se há de considerar como revogada a lei de isenção, mas simplesmente que a pessoa ou fato isento passou do campo da não-incidência para o da incidência tributária4. Entende Rubens Gomes de SOUSA que a norma legal concessiva de uma isenção condicionada corresponde a um contrato de direito público sob forma de lei5.
            Tal condição é exatamente a hipótese em que se encontra o Prouni enquanto política pública extrafiscal formulada mediante isenção tributária relativa, conforme estabelecido pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. A isenção é relativa (condicional) quando a lei instituidora exige o cumprimento de determinados atos (adesão ao programa ou à política pública), cuja observância subordina o gozo do benefício fiscal6.
            O contribuinte, ao pleitear o reconhecimento de uma isenção condicionada, não precisa demonstrar os gastos ou custos incorridos, ou qualquer afetação econômica, mas sim que sua conduta realiza os critérios de identificação do suporte fático previsto na norma de isenção, a partir dos quais ter-se-á o fato jurídico isento e, por decorrência de causalidade jurídica, a relação jurídica de isenção entre tal contribuinte e o fisco. Ainda que se admita a possibilidade de uma regra de isenção conotar gastos por parte do contribuinte, como preleciona o Pedro Guilherme LUNARDELLI7, sua comprovação há de ser encarada pelo enfoque normativo, porque o referido gasto, à medida que enquadrado normativamente, tornar-se-á fato, fato jurídico isento.
            No caso do Prouni, as instituições de ensino superior que aderirem ao programa deverão conceder bolsas de estudo da seguinte forma:
a) bolsa de estudo integral, para os estudantes com renda familiar per capita até 1,5 (um e meio) salário-mínimo;
b) bolsa de estudo parcial de 50% (cinquenta por cento) ou 25% (vinte e cinco por cento), para os estudantes cuja renda familiar per capita não exceda a 3 (três) salários-mínimos.

            As instituições com e sem fins lucrativos não filantrópicas que aderirem ao programa terão que oferecer 1 (uma) bolsa integral para cada 9 (nove) estudantes regularmente pagantes e devidamente matriculados ao final do correspondente período letivo anterior, excluído o número correspondente a bolsas integrais concedidas pelo Prouni ou pela própria instituição. Alternativamente, as instituições poderão oferecer 1 (uma) bolsa integral para cada 19 (dezenove) estudantes regularmente pagantes e devidamente matriculados, desde que ofereçam bolsas parciais de 50% (cinquenta por cento) e de 25% (vinte e cinco por cento), na proporção necessária para que a soma dos benefícios concedidos atinja o equivalente a 10% (dez por cento) da receita anual efetivamente recebidas dos períodos letivos que já têm bolsistas do Prouni em cursos de graduação ou sequencial de formação específica, em troca da isenção de Imposto de Renda, Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, Cofins e PIS.
            Em face de tal adesão e consequente concessão de bolsas de estudo, além de outros requisitos subjacentes, as instituições privadas de ensino superior, com fins lucrativos ou sem fins lucrativos e não beneficentes, ficarão isentas, no período em que vigorar o termo de adesão ao programa, das seguintes contribuições e impostos (art. 5º da Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005, e art. 1º da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n.º 456, de 05/10/2005):
I - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
II - Contribuição para o PIS/Pasep;
III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e
IV - Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

            A adesão ao Prouni, calcada num sinalagma em que bolsas de estudos serão trocadas por benefício fiscal, cria para instituição que a ele aderir direito a uma isenção fiscal de Tributos Federais administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), os quais incidem sobre a receita decorrente da realização de atividades de ensino superior proveniente de cursos de graduação ou cursos sequenciais de formação específica.
            Constata-se, pois, que do ponto de vista do governo, a isenção concedida em função da adesão ao programa só se caracterizará como um benefício se o valor das bolsas concedidas forem inferiores aos tributos não arrecadados. Ao conceder isenções, o governo renuncia à entrada de novos recursos aos cofres públicos, esperando, em troca, que as instituições beneficiadas prestem serviços gratuitos à população carente. Por outro lado, do ponto de vista das instituições, as isenções se constituem em benefícios, enquanto a prestação de serviços gratuitos representa um ônus. Desse modo, fica claro que se para um lado a conta for positiva, para o outro ela será negativa.
            Assim, o mecanismo de incentivo do Prouni é a isenção fiscal, que atua no campo legal excluindo a obrigação tributária, por isso, há que se registrar a incongruência em se garantir para as instituições sem fins lucrativos a isenção do IRPJ, haja vista essas instituições já serem imunes ao referido imposto nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição da República. Em outras palavras, as instituições de educação sem fins lucrativos (não filantrópicas) não precisam aderir ao Prouni para não ter que pagar o IRPJ, já que tal direito lhe é resguardado pela imunidade tributária, ou seja, diferentemente do benefício fiscal da isenção, naquela situação prevista no texto constitucional não há sequer falar em obrigação tributária, e ainda, não estando vinculada à vontade do legislador ordinário. Não obstante, deve-se ressaltar que as instituições de educação sem fins lucrativos (não filantrópicas) gozariam da isenção referente apenas à CSLL, Cofins e PIS, portanto com um aproveito fiscal relativo.
            Esse mesmo raciocínio vale para as entidades educacionais beneficentes de assistência social (ou entidades educacionais filantrópicas) que, embora houvesse uma previsão compelindo à sua adesão, já gozam de imunidade de todos os tributos que o Prouni concede. Nesse caso, não há benefício fiscal algum para que uma entidade educacional beneficente de assistência social (ou entidade educacional filantrópica) venha a aderir ao Prouni, mesmo que a Medida Provisória n.º 213, de 10/09/2004, que instituiu o programa, inicialmente criasse uma obrigação para tal intento.
            Na verdade, a Medida Provisória que criou o Prouni confundia imunidade tributária, em sede constitucional, com isenção fiscal, razão pela qual o Governo Federal foi obrigado a modificá-la para corrigir essa incongruência jurídico-constitucional. Na prática, o único benefício para uma entidade educacional filantrópica aderir ao Prouni é a concessão retroativa dos últimos dois triênios do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEAS), concedido pelo então Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)8, que seria o passaporte para que a entidade filantrópica gozasse dos benefícios da filantropia nos exercícios referentes aos dois triênios anteriores ao Prouni. Portanto, nesse caso, o benefício fiscal para uma entidade educacional filantrópica aderir ao Prouni é diminuto.
            Por outro lado, cumpre observar, que o mecanismo da isenção criada pelo Prouni é condicionado, a saber, substitui uma obrigação de dar, ou seja, de pagar tributos, por uma obrigação de fazer, ou seja, de dar bolsa de estudo. No diapasão da troca da obrigação de dar pela obrigação de fazer, a Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (que cria o Prouni) estabelece penalidades pelo descumprimento da nova obrigação de fazer que o aderente assume. A aplicação das penalidades sobre a obrigação de fazer será realizada exclusivamente pelo Ministério da Educação, o que leva a concluir que a Receita Federal, por si só, não tem competência para desconstituir o termo de adesão e lançar os créditos tributários oriundos da revogação da isenção, só podendo atuar após o ato do Ministério da Educação que desvincule a instituição, após processo administrativo que garanta a ampla defesa e só devendo lançar créditos a partir da data do fato que ocasionou a exclusão do Prouni.
            Por fim, é necessário esclarecer que a manifestação pelo contribuinte da vontade de assumir deveres jurídicos condicionantes ao gozo da isenção não tem conteúdo negocial no Prouni. Esses deveres jurídicos resultam estritamente das normas estabelecidas pelo Governo. Nesse caso, não decorrem da exteriorização da vontade do particular que apenas integram os pressupostos legalmente exigidos para a formação do direito à isenção tributária concedida pelo Prouni.

Referências Bibliográficas

1. ATALIBA, Geraldo. IPTU: progressividade. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 23, n. 93, p. 233, jan./mar. 1990, p. 243.

2. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do Imposto de Indústria e Profissões. Ts. I e II. São Paulo: Max Limonad, 1964, p. 673.

3. BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 161.

4. CORRÊA, Walter Barbosa. Não-Incidência – imunidade e isenção. Revista de Direito Administrativo, n.º 73, p. 444.

5. SOUSA, Rubens Gomes de. Isenções fiscais – substituição de tributos – Emenda Constitucional n.º 18 – Ato complementar n.º 27 – Imposto de vendas e consignação – Imposto sobre circulação de mercadorias. Parecer in Revista de Direito Administrativo, n.º 88, p. 259.

6. BORGES, José Souto Maior. Op. Cit, p. 154.

7. LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções tributárias. São Paulo: Dialética, 1999, p. 130.

8. Essa regra foi alterada pela Lei n.° 12.101, de 27 de novembro de 2009.

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