sexta-feira, 28 de setembro de 2012

ISENÇÃO FISCAL DAS ENTIDADES MANTENEDORAS DE ENSINO SUPERIOR: A CASUÍSTICA DO PROUNI



            A isenção é, via de regra, caracterizada pela doutrina nacional como a dispensa legal do pagamento do tributo devido1. Consiste num favor concedido por lei, no sentido de dispensar o contribuinte do pagamento do tributo, havendo a concretização do fato gerador do tributo, sendo este devido, mas a lei dispensa o seu pagamento2. Alguns doutrinadores entendem que a isenção configura hipótese de deslocação tributária, não havendo sequer a respectiva obrigação tributária principal3. O fato é que a norma de isenção, obstando o nascimento da obrigação tributária para o seu beneficiário, produz o que a doutrina chamou fato gerador isento. Se a isenção é concedida sob a forma de condição resolutiva, cessada essa condição para a sua outorga, não se há de considerar como revogada a lei de isenção, mas simplesmente que a pessoa ou fato isento passou do campo da não-incidência para o da incidência tributária4. Entende Rubens Gomes de SOUSA que a norma legal concessiva de uma isenção condicionada corresponde a um contrato de direito público sob forma de lei5.
            Tal condição é exatamente a hipótese em que se encontra o Prouni enquanto política pública extrafiscal formulada mediante isenção tributária relativa, conforme estabelecido pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. A isenção é relativa (condicional) quando a lei instituidora exige o cumprimento de determinados atos (adesão ao programa ou à política pública), cuja observância subordina o gozo do benefício fiscal6.
            O contribuinte, ao pleitear o reconhecimento de uma isenção condicionada, não precisa demonstrar os gastos ou custos incorridos, ou qualquer afetação econômica, mas sim que sua conduta realiza os critérios de identificação do suporte fático previsto na norma de isenção, a partir dos quais ter-se-á o fato jurídico isento e, por decorrência de causalidade jurídica, a relação jurídica de isenção entre tal contribuinte e o fisco. Ainda que se admita a possibilidade de uma regra de isenção conotar gastos por parte do contribuinte, como preleciona o Pedro Guilherme LUNARDELLI7, sua comprovação há de ser encarada pelo enfoque normativo, porque o referido gasto, à medida que enquadrado normativamente, tornar-se-á fato, fato jurídico isento.
            No caso do Prouni, as instituições de ensino superior que aderirem ao programa deverão conceder bolsas de estudo da seguinte forma:
a) bolsa de estudo integral, para os estudantes com renda familiar per capita até 1,5 (um e meio) salário-mínimo;
b) bolsa de estudo parcial de 50% (cinquenta por cento) ou 25% (vinte e cinco por cento), para os estudantes cuja renda familiar per capita não exceda a 3 (três) salários-mínimos.

            As instituições com e sem fins lucrativos não filantrópicas que aderirem ao programa terão que oferecer 1 (uma) bolsa integral para cada 9 (nove) estudantes regularmente pagantes e devidamente matriculados ao final do correspondente período letivo anterior, excluído o número correspondente a bolsas integrais concedidas pelo Prouni ou pela própria instituição. Alternativamente, as instituições poderão oferecer 1 (uma) bolsa integral para cada 19 (dezenove) estudantes regularmente pagantes e devidamente matriculados, desde que ofereçam bolsas parciais de 50% (cinquenta por cento) e de 25% (vinte e cinco por cento), na proporção necessária para que a soma dos benefícios concedidos atinja o equivalente a 10% (dez por cento) da receita anual efetivamente recebidas dos períodos letivos que já têm bolsistas do Prouni em cursos de graduação ou sequencial de formação específica, em troca da isenção de Imposto de Renda, Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, Cofins e PIS.
            Em face de tal adesão e consequente concessão de bolsas de estudo, além de outros requisitos subjacentes, as instituições privadas de ensino superior, com fins lucrativos ou sem fins lucrativos e não beneficentes, ficarão isentas, no período em que vigorar o termo de adesão ao programa, das seguintes contribuições e impostos (art. 5º da Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005, e art. 1º da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n.º 456, de 05/10/2005):
I - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
II - Contribuição para o PIS/Pasep;
III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e
IV - Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

            A adesão ao Prouni, calcada num sinalagma em que bolsas de estudos serão trocadas por benefício fiscal, cria para instituição que a ele aderir direito a uma isenção fiscal de Tributos Federais administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), os quais incidem sobre a receita decorrente da realização de atividades de ensino superior proveniente de cursos de graduação ou cursos sequenciais de formação específica.
            Constata-se, pois, que do ponto de vista do governo, a isenção concedida em função da adesão ao programa só se caracterizará como um benefício se o valor das bolsas concedidas forem inferiores aos tributos não arrecadados. Ao conceder isenções, o governo renuncia à entrada de novos recursos aos cofres públicos, esperando, em troca, que as instituições beneficiadas prestem serviços gratuitos à população carente. Por outro lado, do ponto de vista das instituições, as isenções se constituem em benefícios, enquanto a prestação de serviços gratuitos representa um ônus. Desse modo, fica claro que se para um lado a conta for positiva, para o outro ela será negativa.
            Assim, o mecanismo de incentivo do Prouni é a isenção fiscal, que atua no campo legal excluindo a obrigação tributária, por isso, há que se registrar a incongruência em se garantir para as instituições sem fins lucrativos a isenção do IRPJ, haja vista essas instituições já serem imunes ao referido imposto nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição da República. Em outras palavras, as instituições de educação sem fins lucrativos (não filantrópicas) não precisam aderir ao Prouni para não ter que pagar o IRPJ, já que tal direito lhe é resguardado pela imunidade tributária, ou seja, diferentemente do benefício fiscal da isenção, naquela situação prevista no texto constitucional não há sequer falar em obrigação tributária, e ainda, não estando vinculada à vontade do legislador ordinário. Não obstante, deve-se ressaltar que as instituições de educação sem fins lucrativos (não filantrópicas) gozariam da isenção referente apenas à CSLL, Cofins e PIS, portanto com um aproveito fiscal relativo.
            Esse mesmo raciocínio vale para as entidades educacionais beneficentes de assistência social (ou entidades educacionais filantrópicas) que, embora houvesse uma previsão compelindo à sua adesão, já gozam de imunidade de todos os tributos que o Prouni concede. Nesse caso, não há benefício fiscal algum para que uma entidade educacional beneficente de assistência social (ou entidade educacional filantrópica) venha a aderir ao Prouni, mesmo que a Medida Provisória n.º 213, de 10/09/2004, que instituiu o programa, inicialmente criasse uma obrigação para tal intento.
            Na verdade, a Medida Provisória que criou o Prouni confundia imunidade tributária, em sede constitucional, com isenção fiscal, razão pela qual o Governo Federal foi obrigado a modificá-la para corrigir essa incongruência jurídico-constitucional. Na prática, o único benefício para uma entidade educacional filantrópica aderir ao Prouni é a concessão retroativa dos últimos dois triênios do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEAS), concedido pelo então Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)8, que seria o passaporte para que a entidade filantrópica gozasse dos benefícios da filantropia nos exercícios referentes aos dois triênios anteriores ao Prouni. Portanto, nesse caso, o benefício fiscal para uma entidade educacional filantrópica aderir ao Prouni é diminuto.
            Por outro lado, cumpre observar, que o mecanismo da isenção criada pelo Prouni é condicionado, a saber, substitui uma obrigação de dar, ou seja, de pagar tributos, por uma obrigação de fazer, ou seja, de dar bolsa de estudo. No diapasão da troca da obrigação de dar pela obrigação de fazer, a Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (que cria o Prouni) estabelece penalidades pelo descumprimento da nova obrigação de fazer que o aderente assume. A aplicação das penalidades sobre a obrigação de fazer será realizada exclusivamente pelo Ministério da Educação, o que leva a concluir que a Receita Federal, por si só, não tem competência para desconstituir o termo de adesão e lançar os créditos tributários oriundos da revogação da isenção, só podendo atuar após o ato do Ministério da Educação que desvincule a instituição, após processo administrativo que garanta a ampla defesa e só devendo lançar créditos a partir da data do fato que ocasionou a exclusão do Prouni.
            Por fim, é necessário esclarecer que a manifestação pelo contribuinte da vontade de assumir deveres jurídicos condicionantes ao gozo da isenção não tem conteúdo negocial no Prouni. Esses deveres jurídicos resultam estritamente das normas estabelecidas pelo Governo. Nesse caso, não decorrem da exteriorização da vontade do particular que apenas integram os pressupostos legalmente exigidos para a formação do direito à isenção tributária concedida pelo Prouni.

Referências Bibliográficas

1. ATALIBA, Geraldo. IPTU: progressividade. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 23, n. 93, p. 233, jan./mar. 1990, p. 243.

2. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do Imposto de Indústria e Profissões. Ts. I e II. São Paulo: Max Limonad, 1964, p. 673.

3. BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 161.

4. CORRÊA, Walter Barbosa. Não-Incidência – imunidade e isenção. Revista de Direito Administrativo, n.º 73, p. 444.

5. SOUSA, Rubens Gomes de. Isenções fiscais – substituição de tributos – Emenda Constitucional n.º 18 – Ato complementar n.º 27 – Imposto de vendas e consignação – Imposto sobre circulação de mercadorias. Parecer in Revista de Direito Administrativo, n.º 88, p. 259.

6. BORGES, José Souto Maior. Op. Cit, p. 154.

7. LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções tributárias. São Paulo: Dialética, 1999, p. 130.

8. Essa regra foi alterada pela Lei n.° 12.101, de 27 de novembro de 2009.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ENTENDENDO O SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS (CHECKS AND BALANCES): UMA BUSCA PELO IDEAL DE DEMOCRACIA




            A separação horizontal de poderes é o princípio básico de organização do Estado na maioria dos países do mundo, ou pelo menos naqueles verdadeiramente democráticos. Montesquieu, referência primeira sobre o assunto, procurou em sua clássica obra “O Espírito das Leis” evitar o abuso de poder e garantir a liberdade dos indivíduos.
            A Teoria de Montesquieu teve o seu apogeu na mesma época da formação do Estado liberal. O sistema liberal regia-se pela livre iniciativa e pela menor interferência possível do Estado nas liberdades individuais, como prescrevia Stuart Mill. A doutrina pregada por Montesquieu é impregnada deste espírito libertário, tanto que as mais severas críticas a ela são por não haver pormenorizado seus próprios instrumentos de concretização.
             É bem verdade, todavia, que foi John Locke o primeiro a invocar a separação horizontal de poderes nos moldes do liberalismo clássico. De fato, Locke, que dividiu o poder em Legislativo, Executivo e Federativo, pode ser considerado o precursor de Montesquieu, pois que é bastante dito que o último elaborou a sua célebre doutrina baseando-se nos ensinamentos do primeiro e por intermédio de um imperfeito entendimento acerca do sistema político inglês do Séc. XVIII, conforme prescrevia Hood Philips1.
            Montesquieu, no Livro XI da referida obra, inscreveu no seu Capítulo VI, denominado Da Constituição da Inglaterra, as três espécies de poder: o legislativo, o executivo (“O executivo das coisas que dependem do direito das gentes”) e o judiciário (“O executivo das que dependem do direito civil”). Assim sendo, “pelo primeiro, o príncipe ou o magistrado faz leis para um certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último o poder de julgar e o outro, simplesmente o poder executivo do Estado.”2
            Portanto, o “remédio supremo”3 aos desmandos seria a separação do poderes em legislativo, executivo das coisas que dependem do direito das gentes (executivo), executivo das coisas que dependem do direito civil (judiciário), pois na concepção do pai da teoria todos aqueles que detinham o poder nas mãos tendiam a dele abusar. Um executivo aliado ao legislativo expediria leis tirânicas e executá-las-ia da mesma forma; um judiciário associado ao legislativo seria um superpoder detentor dos meios legais e coativos sobre a vida a liberdade dos indivíduos; um executivo atrelado ao judiciário seria uma força opressora poderosíssima. Assim, a separação era fundamental e indispensável.
            Esta divisão funcional de competências ocorre exatamente para que não se possa abusar do poder. O Professor Gabriel Negretto esclarece que “el modelo de frenos e contrapesos se propuso precisamente como remedio para evitar en los hechos la usurpación de funciones por parte de una legislatura potencialmente invasora.”4 Em virtude da imperiosa necessidade de o poder frear o poder, a separação de poderes promove um verdadeiro sistema de checks and balances (sistema de freios e contrapesos), de tal modo que ninguém seria constrangido a fazer coisas que a lei não obrigasse e a não fazer as que a lei permitisse.
            Nesse termos, Manuel Garcia-Pelayo, recorrendo às palavras de Proudhon, presta a seguinte lição:
        Organizar en cada Estado federado el gobierno según la ley de separación de órganos;  quiero decir: separar en el poder todo lo que puede separarse, definir (esto es, delimitar) tolo lo que puede definirse, distribuir entre órganos y funcionarios diferentes, rodeando a la administración pública de todas las condiciones de publicidad e intervención.5

            Nesse sentido, parafraseando Montesquieu, tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos princípios, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.6
            Com isso, afirma Pierre Albertini, o princípio da separação de poderes tornou-se profundamente ligado à concepção tridimensional da mesma, passando-se tal tridimensionalidade a inspirar os modelos constitucionais cônscios das liberdades fundamentais da pessoa humana7. Traduz, pois, o agenciamento dos poderes independentes entre si, que devem atuar apenas sobre uma parte específica das competências estabelecidas, ficando as demais efetivamente vedadas.
            É verdade, pois, que o sistema de Montesquieu não evitaria os futuros conflitos entre os Três Poderes, com a resultante inércia da ação estatal. Contudo, para a maioria dos doutrinadores, é igualmente correto que, numa visão mais própria do liberalismo, isso não seria de todo ruim, haja vista que o governo conquanto estiver paralisado, está impossibilitado de intervir na livre conduta individual.
            Benjamin Constant, temeroso da paralisia da ação governamental, buscou ao seu modo resolver o problema do conflito entre Poderes. Para isso, sugeriu a formação de um quarto poder, denominado de neutro ou moderador, que resolveria o problema recolocando o Estado em atividade normal. Benjamin Constant leciona:
        O poder real (refiro-me ao do chefe de Estado, qualquer que seja seu título) é um poder neutro e dos ministros é um poder ativo.
        ...
        O verdadeiro interesse deste poder é evitar que um dos poderes destrua o outro, e permitir que todos se apoiem, se compreendam e que atinem mutuamente.8

            Carl Schmitt também abarcou a teoria política do poder neutral (pouvoir neutre), que seria uma teoria que pertence essencialmente ao grupo de teoria constitucionais do Estado Cívico de Direito, se referindo ao catálogo típico de prerrogativas e atribuições do chefe do Estado (Monarca ou Presidente) imaginadas todas elas como elementos e possibilidades de intervenção semelhante ao pouvoir neutre9.
            Pode-se observar, com isso, que a questão do Checks and Balances não está adstrita tão somente ao controle por intermédio de mecanismos judiciais, mas sobretudo por prerrogativas dos outros poderes. Isso será melhor evidenciado na análise das casuísticas. Um exemplo, dado por Schmitt, é o ato do presidente como arbitragem neutral e mediação de conflitos políticos.
            Corroboram Carl Schmitt10 e Benjamin Constant que a fórmula de um poder neutral, imaginado inicialmente de modo exclusivo para o Chefe do Estado, pode ampliar-se ao âmbito geral da teoria política e aplicar-se ao Estado em seu conjunto.
            Enfim, o princípio dos poderes harmônicos e independentes acabou por dar origem ao conhecido sistema de “freios e contrapesos”, pelo qual os atos gerais, praticados exclusivamente pelo poder legislativo, consistentes na emissão de regras gerais e abstratas, limita o poder executivo, que só pode agir mediantes atos especiais, decorrentes da norma geral. Para coibir a exorbitância de qualquer dos poderes de seus limites e competências, dá-se a ação fiscalizadora do poder judiciário.
            Portanto, a separação de poderes e o Checks and Balances seriam perfeitamente compatível com o Estado democrático, limitando-se o poder, mas garantindo-se a plena liberdade política dos indivíduos e do direito das minorias. Possibilita, de igual forma, a formação do Estado de Direito, na medida em que ele previne o abuso governamental submetendo-se governantes e governados ao rule of law, donde ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de prévia determinação legal, conforme prescrevia o professor Augusto Zimmermann11.

Referência Bibliográfica

1.  Para Hood, “the doctrine of ‘separation of power1 as usually understood is derived from Montesquieu, whose elaboration of it was based on a study of Locke’s writings and an imperfect understanding of the eighteenth-century English Constitution.” in PHILIPS, Hood. Constitutional and administrative law. London: Sweet & Maxwell, 7ª ed., 1987, p. 13.
2. MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O Espírito das Leis. Tradução de Fernando Henrique Cardoso. Brasília: Universidade de Brasília, 1995, p. 211.
3. HAMILTON, Alexander; JAY, John e MADISON, James. O Federalista. 2ª Edição. Campinas: Russell Editores, 2005, p. 72.
4. NEGRETTO, Gabriel L. Hacia Una Nueva Visión de la Separación de Poderes en América Latina. México, Ciudad del México: Siglo Veintiuno Editores, 2002, p. 301.
5. GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado. 7ª Ed. Madrid: Manuales de la R evista Occidente, 1964, p. 217.
6.  MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. Op. Cit, p. 202.
7. ALBERTINI, Pierre. La Déclaration des Droits de I’Homme et du Ciloyen de 1789. Paris: Economica, 1993, p. 336.
8. CONSTANT, Benjamim. Princípios Políticos Constitucionais – Princípios Políticos Aplicáveis a todos os Governos Representativos e Particularmente à Constituição Atual da França (1914). Tradução de Maria do Céu Carvalho. Rio de Janeiro: Líber Juris. 1989, p. 74.
9.  SCHMITT, Carl. La Defesa de la Constitución. Barcelona: Editorial Labor, 1931, p. 161.
10. “La formula de un ‘poder neutral’, imaginado inicialmente de modo exclusive para el jefe del Estado (respecto del ual posee una importancia específica en el Derecho constitucional), puede ampliarse al ámbito general de la teoría política y apliarse al Estado en su conjunto.”  in SCHMITT, Carl. Op. Cit, p. 173.
11. ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 85/86.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

CONTEXTUALIZANDO POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL



Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima - devem ser distribuídos igualitariamente, a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos.
John Rawls. Uma Teoria da Justiça

            As políticas públicas e os problemas inerentes à sua implementação têm se constituído, nos últimos anos, em um tema recorrente no Brasil, porém não têm merecido a necessária atenção de modo a tornar-se um tema da agenda política nacional. O que acontece no Brasil, segundo o Prof. Carlos Aurélio Pimenta Faria1, é que existe uma babel de abordagens, teorizações incipientes e vertentes analíticas, que buscam dar inteligibilidade à diversificação dos processos de formação e gestão das políticas públicas em um mundo cada vez marcado pela interdependência assimétrica. Esse caráter incipiente é comprovado, por exemplo, pelo fato de qualquer exame da produção brasileira recente evidenciar a quase inexistência de análises mais sistemáticas acerca dos processos de implementação de políticas públicas, além da escassez dos estudos de “pós-decisão” da institucionalização destas políticas.
            O histórico das iniciativas de modernização neste campo demonstra um elevado grau de fragmentação e descontinuidade de ações com o consequente desperdício de recursos e resultados insuficientes. As políticas públicas tornaram-se uma categoria de interesse sócio-jurídico há aproximadamente vinte anos, havendo pouco acúmulo teórico a respeito, o que desaconselha a busca de conclusões acabadas, conforme será analisado oportunamente.
            Na verdade, conforme leciona a Professora Maria das Graças Ruas2, em face da variedade de teorias e conceitos sobre Políticas Públicas, enfocando, inicialmente, a diferenciação social das sociedades modernas, no que tange às ideias, valores, interesses e aspirações diferentes, existe a possibilidade de haver conflitos sociais. Desta feita, esse possível conflito, decorrente dessa diferenciação social, deveria ser mantido dentro de limites admissíveis. Para a resolução desses conflitos, por meio da coerção, utiliza-se a política. A política, no entendimento da citada professora3, seria um conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica de conflitos quanto a bens públicos. Já a política pública compreenderia o conjunto de decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores.
            Dentro dessa perspectiva, pode-se inferir que a política pública envolveria mais do que uma decisão e requereria diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar decisões tomadas. Conclui-se, nesse sentido, que as políticas públicas representam os instrumentos de ação dos governos, numa clara substituição dos “governos por leis” (government by law) pelos “governos por políticas” (government by policies). O fundamento mediato e fonte de justificação das políticas públicas é o Estado social, marcado pela obrigação de implemento dos direitos fundamentais positivos, aqueles que exigem uma prestação positiva do Poder Público4.
            Em suma, políticas públicas são as decisões de governo que influenciam a vida de um conjunto de cidadãos. São os atos que o governo faz ou deixa de fazer e os efeitos que tais ações ou inações provocam na sociedade. O processo de políticas públicas numa sociedade democrática é extremamente dinâmico e conta com a participação de diversos atores em vários níveis. O desejável é que todos os afetados e envolvidos em política pública participem o máximo possível de todas as fases desse processo: identificação do problema, formação da agenda, formulação de políticas alternativas, seleção de uma dessas alternativas, legitimação da política escolhida, implementação dessa política e avaliação de seus resultados. Políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em ação”, ou seja, é o Estado implantando um projeto de governo, por intermédio de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade.
            Há uma questão que deve ser analisada previamente à definição de política pública: a política não é uma norma e nem um ato jurídico, no entanto, as normas e atos jurídicos são componentes da mesma, uma vez que esta pode ser entendida como “um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinando”5. As normas, decisões e atos que integram a política pública têm na finalidade da política seus parâmetros de unidade. Isoladamente, as decisões ou normas que a compõem são de natureza heterogênea e submetem-se a um regime jurídico próprio.
            No entendimento de Fábio Konder Comparato, “as políticas públicas são programas de ação governamental”6. O autor segue a posição doutrinária de Ronald Dworkin, para quem a política (policy), contraposta à noção de princípio, designa aquela espécie de padrão de conduta (standard) que assinala uma meta a alcançar, no mais das vezes uma melhoria das condições econômicas, políticas ou sociais da comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, por implicarem na proteção de determinada característica da comunidade contra uma mudança hostil. Nas palavras de Dworkin:
Os argumentos de princípio se propõem a estabelecer um direito individual; os argumentos políticos se propõem a estabelecer um objetivo coletivo. Os princípios são proposições que descrevem direitos; as políticas são proposições que descrevem objetivos.7

          Segundo defende Maria Paula Dallari Bucci, há certa proximidade entre as noções de política pública e de plano, embora aquela possa consistir num programa de ação governamental veiculado por instrumento jurídico diverso do plano. Complementa Maria Paula Dallari Bucci:
A política é mais ampla que o plano e define-se como o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes públicos e privados. […] A política pública transcende os instrumentos normativos do plano ou do programa. Há, no entanto, um paralelo evidente entre o processo de formulação da política e a atividade de planejamento.8

          Desta forma, a referida autora define políticas públicas como sendo programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. As políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de planos e programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social, por meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos e direitos fundamentais dispostos na Constituição.
          Há que se fazer a distinção entre política pública e política de governo, vez que enquanto esta guarda profunda relação com um mandato eletivo, aquela, no mais das vezes, pode atravessar vários mandatos. Deve-se reconhecer, por outro lado, que o cenário político brasileiro demonstra ser comum a confusão entre estas duas categorias. A cada eleição, principalmente quando ocorre alternância de partidos, grande parte das políticas públicas fomentadas pela gestão que deixa o poder é abandonada pela gestão que o assume.
          Inegável, por certo, que o estudo das políticas públicas no Brasil foi marcado profundamente pela evolução sociológica do Direito como um todo, acompanhando a consolidação do chamado Estado democrático de direito, o Estado constitucional pautado pela defesa dos direitos de liberdade e pela implementação dos direitos sociais. No Estado constitucional, pautado pelas teses do novo constitucionalismo, a função fundamental da Administração Pública é a concretização dos direitos fundamentais positivos, por meio de políticas públicas gestadas no seio do Poder Legislativo ou pela própria Administração9, políticas estas formuladas por intermédio de intelecção sociológico-política.

Referências Bibliográficas

1. FARIA, Carlos Aurélio Pimenta. Um Inventário Sucinto das Principais Vertentes Analíticas Recentes. In Revista Brasileira de Ciências Sociais (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), Vol. 18, Número 51, fevereiro de 2003, p. 21-31.

2. RUAS, Maria das Graças. Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos.  In: Maria das Graças Ruas; Maria Izabel Valladão de Carvalho. (Org.). O estudo da política. Brasília: Paralelo 15, 1998, v. , p. 231-260.

3. RUAS, Maria das Graças. Op. Cit., p. 231.

4. BUCCI, Maria Paula Dallari. As políticas públicas e o Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, n. 13, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 135.

5. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18.

6. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18.

7. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 134.

8. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 259.

9. Segundo constata Maria Paula Dallari Bucci, a exteriorização das políticas públicas se afasta de um padrão uniforme e claramente apreensível pelo ordenamento jurídico. Por vezes, podem ser instituídas por leis, como a Política Nacional de Recursos Hídricos – Lei n.º 9.433, de 1997; outras vezes, são consubstanciadas em emendas constitucionais, como no caso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, criado pela Emenda Constitucional n. 14/96; em outros casos, podem ainda decorrer de atos administrativos isolados ou ordenados em programas, como as políticas de transporte municipal. (BUCCI, Maria Paula Dallari. Op. Cit., 2002, p. 257).