A isenção é, via de regra,
caracterizada pela doutrina nacional como a dispensa legal do pagamento do
tributo devido1. Consiste num favor concedido por lei, no sentido de
dispensar o contribuinte do pagamento do tributo, havendo a concretização do
fato gerador do tributo, sendo este devido, mas a lei dispensa o seu pagamento2.
Alguns doutrinadores entendem que a isenção configura hipótese de deslocação
tributária, não havendo sequer a respectiva obrigação tributária principal3.
O fato é que a norma de isenção, obstando o nascimento da obrigação tributária
para o seu beneficiário, produz o que a doutrina chamou fato gerador isento. Se a isenção é concedida sob a forma de condição
resolutiva, cessada essa condição para a sua outorga, não se há de considerar
como revogada a lei de isenção, mas simplesmente que a pessoa ou fato isento
passou do campo da não-incidência para o da incidência tributária4.
Entende Rubens Gomes de SOUSA que a norma legal concessiva de uma isenção
condicionada corresponde a um contrato de direito público sob forma de lei5.
Tal condição é exatamente a hipótese
em que se encontra o Prouni enquanto política pública extrafiscal formulada
mediante isenção tributária relativa, conforme estabelecido pela Lei nº 11.096,
de 13 de janeiro de 2005. A isenção é relativa (condicional) quando a lei
instituidora exige o cumprimento de determinados atos (adesão ao programa ou à
política pública), cuja observância subordina o gozo do benefício fiscal6.
O contribuinte, ao pleitear o
reconhecimento de uma isenção condicionada,
não precisa demonstrar os gastos ou custos incorridos, ou qualquer afetação
econômica, mas sim que sua conduta realiza os critérios de identificação do
suporte fático previsto na norma de isenção, a partir dos quais ter-se-á o fato
jurídico isento e, por decorrência de causalidade jurídica, a relação jurídica
de isenção entre tal contribuinte e o fisco. Ainda que se admita a
possibilidade de uma regra de isenção conotar gastos por parte do contribuinte,
como preleciona o Pedro Guilherme LUNARDELLI7, sua comprovação há de
ser encarada pelo enfoque normativo, porque o referido gasto, à medida que
enquadrado normativamente, tornar-se-á fato, fato jurídico isento.
No caso do Prouni, as instituições
de ensino superior que aderirem ao programa deverão conceder bolsas de estudo
da seguinte forma:
a) bolsa de
estudo integral, para os estudantes com renda familiar per capita até 1,5 (um e meio) salário-mínimo;
b) bolsa de
estudo parcial de 50% (cinquenta por cento) ou 25% (vinte e cinco por cento),
para os estudantes cuja renda familiar per capita não exceda a 3 (três)
salários-mínimos.
As instituições com e sem fins
lucrativos não filantrópicas que aderirem ao programa terão que oferecer 1
(uma) bolsa integral para cada 9 (nove) estudantes regularmente pagantes e
devidamente matriculados ao final do correspondente período letivo anterior,
excluído o número correspondente a bolsas integrais concedidas pelo Prouni ou
pela própria instituição. Alternativamente, as instituições poderão oferecer 1
(uma) bolsa integral para cada 19 (dezenove) estudantes regularmente pagantes e
devidamente matriculados, desde que ofereçam bolsas parciais de 50% (cinquenta
por cento) e de 25% (vinte e cinco por cento), na proporção necessária para que
a soma dos benefícios concedidos atinja o equivalente a 10% (dez por cento) da
receita anual efetivamente recebidas dos períodos letivos que já têm bolsistas
do Prouni em cursos de graduação ou sequencial de formação específica, em troca
da isenção de Imposto de Renda, Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido,
Cofins e PIS.
Em face de tal adesão e consequente
concessão de bolsas de estudo, além de outros requisitos subjacentes, as instituições
privadas de ensino superior, com fins lucrativos ou sem fins lucrativos e não
beneficentes, ficarão isentas, no período em que vigorar o termo de adesão ao
programa, das seguintes contribuições e impostos (art. 5º da Lei n° 11.096, de
13 de janeiro de 2005, e art. 1º da Instrução Normativa da Secretaria da
Receita Federal n.º 456, de 05/10/2005):
I -
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
II -
Contribuição para o PIS/Pasep;
III -
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e
IV - Imposto de
Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
A adesão ao Prouni, calcada num
sinalagma em que bolsas de estudos serão trocadas por benefício fiscal, cria
para instituição que a ele aderir direito a uma isenção fiscal de Tributos
Federais administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), os
quais incidem sobre a receita decorrente da realização de atividades de ensino
superior proveniente de cursos de graduação ou cursos sequenciais de formação
específica.
Constata-se, pois, que do ponto de
vista do governo, a isenção concedida em função da adesão ao programa só se
caracterizará como um benefício se o valor das bolsas concedidas forem
inferiores aos tributos não arrecadados. Ao conceder isenções, o governo
renuncia à entrada de novos recursos aos cofres públicos, esperando, em troca,
que as instituições beneficiadas prestem serviços gratuitos à população
carente. Por outro lado, do ponto de vista das instituições, as isenções se
constituem em benefícios, enquanto a prestação de serviços gratuitos representa
um ônus. Desse modo, fica claro que se para um lado a conta for positiva, para
o outro ela será negativa.
Assim,
o mecanismo de incentivo do Prouni é a isenção fiscal, que atua no campo legal
excluindo a obrigação tributária, por isso, há que se registrar a incongruência
em se garantir para as instituições sem fins lucrativos a isenção do IRPJ, haja
vista essas instituições já serem imunes ao referido imposto nos termos do
artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição da República. Em
outras palavras, as instituições de educação sem fins lucrativos (não
filantrópicas) não precisam aderir ao Prouni para não ter que pagar o IRPJ, já
que tal direito lhe é resguardado pela imunidade tributária, ou seja,
diferentemente do benefício fiscal da isenção, naquela situação prevista no
texto constitucional não há sequer falar em obrigação tributária, e ainda, não
estando vinculada à vontade do legislador ordinário. Não obstante, deve-se
ressaltar que as instituições de educação sem fins lucrativos (não
filantrópicas) gozariam da isenção referente apenas à CSLL, Cofins e PIS,
portanto com um aproveito fiscal relativo.
Esse mesmo raciocínio vale para as
entidades educacionais beneficentes de assistência social (ou entidades
educacionais filantrópicas) que, embora houvesse uma previsão compelindo à sua
adesão, já gozam de imunidade de todos os tributos que o Prouni concede. Nesse
caso, não há benefício fiscal algum para que uma entidade educacional
beneficente de assistência social (ou entidade educacional filantrópica) venha
a aderir ao Prouni, mesmo que a Medida Provisória n.º 213, de 10/09/2004, que
instituiu o programa, inicialmente criasse uma obrigação para tal intento.
Na verdade, a Medida Provisória que
criou o Prouni confundia imunidade tributária, em sede constitucional, com
isenção fiscal, razão pela qual o Governo Federal foi obrigado a modificá-la
para corrigir essa incongruência jurídico-constitucional. Na prática, o único
benefício para uma entidade educacional filantrópica aderir ao Prouni é a
concessão retroativa dos últimos dois triênios do Certificado de Entidade
Beneficente de Assistência Social (CEAS), concedido pelo então Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS)8, que seria o passaporte para
que a entidade filantrópica gozasse dos benefícios da filantropia nos
exercícios referentes aos dois triênios anteriores ao Prouni. Portanto, nesse
caso, o benefício fiscal para uma entidade educacional filantrópica aderir ao
Prouni é diminuto.
Por outro lado, cumpre observar, que
o mecanismo da isenção criada pelo Prouni é condicionado, a saber, substitui
uma obrigação de dar, ou seja, de pagar tributos, por uma obrigação de fazer,
ou seja, de dar bolsa de estudo. No diapasão da troca da obrigação de dar pela
obrigação de fazer, a Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (que cria o
Prouni) estabelece penalidades pelo descumprimento da nova obrigação de fazer
que o aderente assume. A aplicação das penalidades sobre a obrigação de fazer
será realizada exclusivamente pelo Ministério da Educação, o que leva a
concluir que a Receita Federal, por si só, não tem competência para
desconstituir o termo de adesão e lançar os créditos tributários oriundos da
revogação da isenção, só podendo atuar após o ato do Ministério da Educação que
desvincule a instituição, após processo administrativo que garanta a ampla
defesa e só devendo lançar créditos a partir da data do fato que ocasionou a
exclusão do Prouni.
Por fim, é necessário esclarecer que
a manifestação pelo contribuinte da vontade de assumir deveres jurídicos
condicionantes ao gozo da isenção não tem conteúdo negocial no Prouni. Esses
deveres jurídicos resultam estritamente das normas estabelecidas pelo Governo.
Nesse caso, não decorrem da exteriorização da vontade do particular que apenas integram
os pressupostos legalmente exigidos para a formação do direito à isenção
tributária concedida pelo Prouni.
Referências
Bibliográficas
1. ATALIBA, Geraldo. IPTU: progressividade. Revista de Direito
Público, São Paulo, v. 23, n. 93, p. 233, jan./mar. 1990, p. 243.
2. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina
e prática do Imposto de Indústria e Profissões. Ts. I e II. São Paulo: Max
Limonad, 1964, p. 673.
3. BORGES, José Souto Maior. Teoria
geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p.
161.
4. CORRÊA, Walter Barbosa. Não-Incidência
– imunidade e isenção. Revista de
Direito Administrativo, n.º 73, p. 444.
5. SOUSA, Rubens Gomes de. Isenções fiscais – substituição de tributos –
Emenda Constitucional n.º 18 – Ato complementar n.º 27 – Imposto de vendas e
consignação – Imposto sobre circulação de mercadorias. Parecer in Revista de
Direito Administrativo, n.º 88, p. 259.
6. BORGES, José Souto Maior. Op.
Cit, p. 154.
7. LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções tributárias. São Paulo: Dialética, 1999, p. 130.
8. Essa regra foi alterada pela Lei n.° 12.101, de 27 de novembro de 2009.