O efeito
extrafiscal da norma tributária utiliza-se do instrumento financeiro para a
provocação de certos resultados econômico-sociais, como reprimir a inflação,
evitar o desemprego, restaurar a prosperidade, proteger a indústria nacional,
promover o desenvolvimento econômico, nivelar as fortunas ou corrigir a
iniquidade na distribuição da renda nacional e, sobretudo, promover o acesso à
educação superior, além de outros objetivos igualmente importantes.
Nesse
sentido, a extrafiscalidade da norma tributária fornece a explicação ao fato de
que, praticamente, todos os problemas que convergem para a área do tributo
podem ser estudados do o ângulo oposto: o da isenção e da imunidade. Tal possibilidade
apresenta certa simetria com o poder de tributar.
Na
doutrina pátria, sobejam conceitos de imunidade e principalmente de isenção,
que variam conforme o conceito unitário ou dualista de tributo adotado. A
imunidade é tida como limitação ao poder de tributar ou como norma de
estrutura, que subordina a feitura de normas de comportamento. A isenção, como
dispensa do pagamento de tributo devido, norma de estrutura e norma de
não-incidência é uma forma excludente da obrigação.
Para
Calmon Navarro Coêlho, a isenção, tal qual a imunidade, é “simples previsão legislativa de intributabilidade”1, é
regra que atua juntamente com as previsões impositivas, no aspecto material da
norma tributária, definindo sua dimensão. O autor propõe que a hipótese da
norma tributária seja composta por “fatos tributáveis” (segundo a regra
impositiva), subtraídos os fatos isentos e imunes.
Sacha
Calmon Navarro Coêlho, em prestígio à técnica jurídica, distingue a isenção e a
imunidade dos demais institutos exoneratórios, portanto aquelas atuam no campo
da hipótese da norma tributária, enquanto os estes atuam na consequência da
norma. A distinção essencial entre a imunidade e a isenção para o jurista
mineiro é o status constitucional da
imunidade, inexistente na isenção. Destaca-se também que a imunidade é,
inequivocamente, instituto que delimita a competência tributária impositiva.
Com
relação ao fundamento ontológico, isenções e imunidades também apresentam
aspectos em comum. Podem
existir, segundo Marcus Gouvêa2:
1)
como instrumento em favor da capacidade contributiva,
para adequar a previsão genérica e abstrata da norma impositiva;
2)
ou, como instrumento de política pública, independente
da capacidade econômica dos contribuintes. No primeiro caso, tem-se a imunidade
recíproca e aquela que beneficia particulares que exercem munus público, como a
dirigida a instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos
e a isenção da primeira faixa de renda do IRPF (Imposto de Renda Pessoa
Física), que protege o chamado mínimo existencial.
No
segundo grupo, encontra-se a imunidade dos livros, revistas e periódicos, que,
não obstante possam representar mercado promissor constituem-se veículo de
cultura que o Estado pretende preservar, assim como isenções a determinados
produtos, cujo mercado incipiente o Estado quer estimular.
As
isenções podem ser classificadas em condicionais e incondicionais, temporárias
e por prazo indeterminado, gerais e individuais, regionais ou irrestritas. A
isenção incondicional é aquela que independe da comprovação do preenchimento de
qualquer requisito pelo contribuinte, a ser avaliada pelo fisco. É o caso da
isenção da primeira faixa de renda do imposto de renda da pessoa física. A
isenção condicional é que depende do preenchimento de algum requisito pelo
contribuinte, seja a realização de uma conduta, seja uma situação jurídica,
seja uma situação fática. Necessariamente, as isenções incondicionadas serão
gerais, alcançando todos os contribuintes ou fatos, conforme seja o benefício
subjetivo ou objetivo. As isenções condicionais serão individuais e dependerão
da análise de cada caso pela Administração Tributária.
A
isenção pode, também, ser temporária, com prazo preestabelecido, mas pode ser
fixada por tempo indeterminado, facultando-se sua revogação por lei posterior
ou sua extinção por ato administrativo, se o beneficiário deixou de cumprir os
requisitos para sua concessão.
O
Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 176, parágrafo único, dispõe que “a isenção pode ser restrita a determinada
região do território da entidade tributante, em função de condições a ela
peculiares.” Em regra, restringe-se aos impostos, conforme disposição do
art. 177 também do CTN.
As
imunidades aplicam-se, em regra, aos impostos. Algumas são gerais, sem a
imposição de condições. Por exemplo, as dos partidos políticos, que têm efeito
extrafiscal ligado à organização política nacional. Outras, como as das
instituições de educação sem fins lucrativos, que prestigiam a finalidade
extrafiscal de incentivo à educação, são reconhecidas apenas àqueles que
comprovem o preenchimento dos requisitos legais (art. 14 do CTN).
Também
há imunidades relativas apenas a contribuições para a seguridade social, que
prestigiam as entidades beneficentes de assistência social. Como sói ocorrer, a
Constituição da República reconhece a intributabilidade de pessoa privada que
se dedica a prestar assistência social gratuita, que é dever do próprio Estado.
Assim, a norma contém efeito extrafiscal de estímulo à atividade assistencial.
De
acordo com a classificação, imunidades e isenções apresentam efeitos
extrafiscais distintos. O efeito de indução do comportamento mediante vantagem
fiscal será específico a determinados contribuintes que preenchem os requisitos
legais, se a isenção for individual. Será geral nas isenções gerais.
É
importante dizer que mesmo a isenção geral pode vir dotada de carga
extrafiscal. Por exemplo, se direcionada, objetivamente, à produção do álcool
combustível, estimula seu consumo em prejuízo do consumo de gasolina. Se direcionada,
subjetivamente, aos fabricantes de malhas têxteis, favorece o aparecimento de
indústrias desse tipo de vestuário em detrimento dos curtumes.
O
efeito extrafiscal de isenções pode ser regionalizado em favor do
desenvolvimento de certas partes do país ou do estado, conforme o benefício
seja federal ou estadual. Porém, pode ser irrestrito territorialmente, quando
os efeitos extrafiscais fazem-se sentir em todo o território do ente federado.
Pode-se
inferir que de uma forma geral a justificativa doutrinária para a existência
das normas imunizantes e isencionais está ligada a conceitos de natureza
política e social de determinada sociedade em dado período histórico, com a
finalidade de garantir as liberdades individuais, via exoneração de tributos, para
não embaraçar a existência de direitos socialmente relevantes. Assim, as normas
de impedimento da competência tributária voltam-se para a liberdade de
expressão, o acesso à cultura e à liberdade religiosa. Além disso, voltam-se às
atividades desempenhadas pelas instituições de educação e assistência social
sem lucratividade, às entidades sindicais de trabalhadores, partidos políticos
e suas fundações.
Para
justificar a necessária existência das normas imunizantes e isencionais, Regina
Helena Costa invoca a teoria da densificação das normas constitucionais
concebida por Canotilho, entendendo que as normas imunizantes densificam
princípios estruturantes no sentido jurídico-constitucional e
político-constitucional. Portanto:
(...) os princípios federativo e da autonomia
municipal são densificados pela imunidade recíproca; que o princípio da
isonomia é densificado pela imunidade conferida às instituições de educação e
assistência social sem fins lucrativos; que o princípio do pluralismo partidário
é densificado pela imunidade outorgada aos partidos políticos; que a liberdade
de expressão e o livre acesso à cultura são densificados pela imunidade
referente aos livros; que a liberdade de culto é densificada pela imunidade dos
templos – e assim por diante. 3
Pode-se
entender, portanto, que as imunidades e isenções são meios de realização de
extrafiscalidade no âmbito constitucional. Nesse sentido o magistério de
Geraldo Ataliba assenta que a extrafiscalidade “(...) consiste no uso de
instrumentos tributários para obtenção de finalidades não-arrecadatórias, mas
estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros
fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados.”4
Então, pode-se afirmar que os princípios mais valorosos inseridos na
Constituição, tais como a segurança jurídica, a justiça e o bem comum,
relacionados aos direitos fundamentais, estão presentes essencialmente na
imunidade e isenção tributária, cuja natureza é extrafiscal.
As
imunidades tributárias são normas de proteção de outros direitos fundamentais e
constituem, ao mesmo tempo, direitos e garantias de outros direitos e firmam-se
com o teor do art. XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos5: “Toda pessoa tem
direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de,
sem interferências, ter opiniões
e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras”.
De
uma forma geral, verifica-se que isenções e imunidades atuam estimulando
comportamentos mediante a redução da carga tributária, razão pela qual
constata-se, que os institutos apresentam potencialidade extrafiscal marcante.
Por
fim, pode-se concluir que a imunidade e isenção fiscal são temas muito
abrangentes, de forma a englobar uma série de outros conteúdos morais, sociais,
etc., os quais fazem da mesma uma temática, além de importante, por deveras
motivante. Motivação expressa de modo mais agradável na eficiente distinção
feita por meio de uma simples parábola que assim distingue os dois institutos: A isenção fiscal é como se o contribuinte
segurasse um guarda-chuva no meio de uma tempestade. O guarda-chuva seria a
isenção que asseguraria ao contribuinte ficar amparado da chuva, que seria a
carga tributária. No caso da imunidade, não haveria chuva jamais!
1. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria
geral do tributo e da exoneração tributária. Belo Horizonte: Del Rey, 2000,
p. 153.
2. GOUVÊA, Marcus de Freitas. A
extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.
211.
3. COSTA, Regina Helena. Imunidades
tributárias. São Paulo: Dialética, 2001, p. 59.
4. ATALIBA, Geraldo. IPTU e
progressividade. RDP 93/223.
5. COSTA, Regina
Helena. Idem. p. 85.
Nenhum comentário:
Postar um comentário