quarta-feira, 20 de junho de 2012

O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR




            A educação, enquanto dever do Estado e realidade social vivenciada, não foge ao controle do Direito. Na verdade, é a própria Constituição Federal pátria que a enuncia como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A um só tempo, a educação representa tanto mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo como da própria sociedade em que ele se insere.
            No Brasil, a atividade educacional é essencialmente função pública, mas não é privativa do Estado, conforme dispõe a Constituição da República, em seu artigo 205 e 206, III. Enseja, portanto, a prestação direta pelo Estado, com a participação da comunidade, bem como a prestação pelo particular, sem prejuízo da colaboração entre ambos, mediante técnicas de fomento ou parcerias (CF, art. 209). Em qualquer situação, prevalece a atuação controladora e intervencionista do Estado.
            Tratando a educação como direito de todos, e distinguindo os direitos naturais, sempiternos e não escritos; dos direitos fundamentais, constitucionalmente positivados e dos direitos humanos, positivados em nível internacional, vê-a como direito fundamental prestacional (MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2001, p. 243), como enfatiza Marcos Augusto Maliska, que desafia prestações do Estado, presente no núcleo irredutível da Carta de Direitos brasileira e dotada de aplicabilidade imediata, com implicações para terceiros, notadamente as entidades educacionais da iniciativa privada. Nesse sentido, “seria o ensino privado colaborador do ensino público” (MALISKA, Marcos Augusto. Op. Cit., p. 189). Importa-se destacar o papel colaborador da iniciativa educacional privada.
            Como corolário das competências legislativas, a estrutura do sistema educacional brasileiro assenta sobre o modelo do Estado Federal. Nesse sentido, percebe-se que a lei de diretrizes e bases da educação nacional representa o regramento em nível nacional, correspondendo à articulação e coordenação dos sistemas de ensino. Por outro lado, a competência para edição de normas em matéria de educação e ensino prevista no artigo 24, IX garante a atuação dos Estados no tratamento de questões específicas, importante instrumento para atender a variedade de situações decorrentes da extensão e das desigualdades do País.
            Por tal mister, o Estado brasileiro contemporâneo passou a ter presença expressiva no campo da educação superior, pois: planeja, define políticas e as executa; legisla; regulamenta; interpreta e aplica a legislação, por meio dos Conselhos de Educação; financia e subvenciona o ensino, a pesquisa e a extensão de serviços; mantém universidades e demais instituições públicas de ensino superior; oferece diretamente ensino de graduação e pós-graduação; autoriza, reconhece, credencia, recredencia, supervisiona cursos e instituições; determina sua desativação; avalia alunos, cursos e instituições, em todo o País; interfere na organização do ensino; estabelece diretrizes curriculares etc.  Tudo se dá nas esferas pública e privada e em relação a todos os sistemas de ensino.
            É certo, porém, que o ensino superior público tem dificuldades para crescer à vista da débil disponibilidade dos recursos a ele oferecidos. É igualmente certo que o ensino superior privado não consegue atender à demanda, apesar da ampla oferta de vagas, em vista do baixo poder aquisitivo da população que, inclusive, queda-se desestimulada para a busca de oportunidades de aprendizagem. É claro, pois, que essas duas esfinges carecem de financiamento, de sorte a que a eqüidade entre os jovens possa ser registrada. A garantia da universalidade de oportunidades de acesso, fruto da expansão, somente tem sentido se se registrar a efetiva aprendizagem dos alunos. Se o labor escolar não resultar em aprendizagem, terá sido um mero diletantismo entre professores e alunos.
            É cediço, por outro lado, que a Teoria Econômica mostra as situações em que é necessária a ação estatal, seja para aumentar a eficiência da economia, seja para melhorar a distribuição de renda. No primeiro caso, têm-se principalmente as situações de concorrência imperfeita (oligopólios e monopólios), a existência de bens públicos e as externalidades, falhas no mercado de capitais e informações imperfeitas para os consumidores. Além disto, mesmo num mercado de concorrência perfeita, o governo pode obrigar o cidadão a fazer o que se presume ser bom para ele, como é o caso da educação elementar compulsória. Da mesma forma, o governo pode agir, mesmo numa situação de máxima eficiência econômica, se a renda estiver mal distribuída, e parte da população não tiver acesso  adequado a bens e serviços básicos.
            Normalmente, antecede à implantação de uma economia de mercado a existência de um Estado intervencionista, que empreende segundo suas próprias regras, impedindo a atuação dos agentes privados e da própria sociedade no desenvolvimento socioeconômico de um país. Disto se depreende que, historicamente, o Estado intervencionista se transforma num Estado regulador, de forma a garantir o interesse público, deixando o interesse privado para ser regulado pelos mecanismos de mercado, devidamente orientados para a competição. Somente um mercado regulado para a competição pode produzir os reais benefícios que se espera para a sociedade: disponibilidade de produtos e serviços, com qualidade, segurança e preços competitivos. Isto significa, em outras palavras, reservar ao Estado o estabelecimento de regras claras para o jogo, deixando aos capitais privados a tarefa de produzir. A atividade regulatória no País tem acompanhado, de um modo geral, o processo de atuação do Estado ao longo dos anos, uma atuação intervencionista que, mesmo tendo obtido resultados, impediu ou dificultou a participação de agentes econômicos no seu processo de desenvolvimento.
            Nesse sentido, a participação Estatal na Educação Superior deve se dar na direção da maior eficiência do sistema e no sentido da melhor distribuição de renda. No primeiro caso, a ênfase deve ser colocada no oferecimento de cursos de educação superior socialmente relevantes e de boa qualidade. Os programas de fomento e os recursos para pesquisa devem estar acessíveis a todas as instituições, recebendo-os aqueles que apresentarem os melhores projetos. Do ponto-de-vista da distribuição de renda, o foco tem que estar no estudante carente de bom aproveitamento. Esta é uma medida lógica, pois não se podendo atender a todos os estudantes carentes por vários fatores de ordem econômico-financeira, deve-se escolher os de mais capacidade, em cursos de melhor qualidade e de maior interesse social. Este deveria ser o papel do Estado enquanto atue de forma regulatória, como acontece contemporaneamente.

EASY RIDER - A DIFÍCIL ESCOLHA PELA ADVOCACIA


Não vos aconselho o trabalho, mas a luta.
Não vos aconselho a paz, mas a vitória.
Seja o vosso trabalho uma luta!
Seja a vossa paz uma vitória!”
Assim Falou Zaratustra – Friedrich Nietzsche

            Uma das principais discussões que rondam as cátedras dos discentes do curso de direito é justamente saber qual caminho cada um deve seguir. Essa discussão sempre foi fomentada pela eterna dialética existente entre a diferenciação do exercício de um cargo público e o da advocacia. Evidentemente que essa discussão não comporta vencedores e vencidos, eis que cada um tem convicções pessoais e profissionais que fundamentam qualquer opção escolhida.  
            Dentro desse cenário, é importante observar alguns aspectos que demarcam a posição do advogado perante juízos e tribunais, o que pode ser objeto de importantes reflexões pessoais. Esses aspectos são facilmente observados a partir da escolha da própria profissão, o que terá suma importante na atuação forense. Trata-se do destino profissional que foi escolhido em face dos seus verdadeiros objetivos ou vocações.
Não se quer dizer que uma escolha errada seja o fator preponderante para qualificar ou desqualificar qualquer profissional, mas servirá apenas de parâmetro na atuação do indivíduo perante o foro, ou seja, um parâmetro para o temperamento e disposição do profissional em face de sua atuação em juízo ou fora dele. Para ilustrar essa idiossincrasia e como esta terá reflexo na vida do profissional do direito, é necessário recorrer a uma analogia muito singela, porém bastante contundente.
Suponha-se tratar de um juiz e um advogado atuando em suas respectivas carreiras. A carreira profissional pode ser comparada a uma longa estrada, cheia de percalços, curvas sinuosas, buracos e todas as intempéries da vida. O juiz percorreria essa estrada da maneira mais branda possível, de acordo com as suas possibilidades, em um automóvel de luxo. Seria como se entrasse em seu carro e seguisse rumo à sua vocação ou seus objetivos pessoais.
Andar nesse automóvel seria muito confortante, haja vista que estaria em seu favor o ar-condicionado de última geração, a direção hidráulica, vidros e retrovisores elétricos, teto-solar, moderno aparelho de som e todo aparato tecnológico referente a um bom automóvel. Passar por cima de um buraco nessa imensa estrada profissional seria apenas um pequeno esforço para quem tem um bom carro nas mãos. A atitude de seguir em frente, passando pelas curvas da insegurança previdenciária, dos dias fechados de uma eventual incerteza contratual e das noites obscuras da profissão, é um beneplácito de quem optar por seu cômodo assento em direção aos seus objetivos.
Vale ressaltar que não cabe criticar o caminho jurídico escolhido pelo indivíduo. A escolha de estar guiando este automóvel é tão louvável quanto difícil, pois exercer a magistratura necessita, sobretudo, de muita paciência e constância diante de todos os fatos que são opostos diariamente em juízo.
Já o advogado percorreria este caminho profissional pilotando uma motocicleta, com todos os incidentes que possam decorrer desta escolha. Assim, a carreira profissional do advogado estaria sujeita à mesma estrada em que o juiz passou com seu automóvel, mas os percalços seriam totalmente potencializados. Os buracos encontrados na estrada profissional de um advogado seriam muito mais perigosos, fazendo-o ir ao chão se não forem bem contornados. Uma pedra poderia ser um obstáculo demasiadamente temerário e qualquer chuva seria inevitável.
A analogia assenta-se nas diferenças da profissão da advocacia e da magistratura como forma de se chegar ao fim colimado pela justiça. A escolha da profissão incide na ideia do conhecimento de todos os percalços que se poderá encontrar em cada área jurídica escolhida, bem como as respectivas prerrogativas e benefícios. As profissões, no âmbito jurídico, têm suas diferenças bem definidas, a começar pelo cunho institucional e chegando, por fim, na função social de cada uma. A analogia supracitada visa fazer um paralelo entre as diferenças das profissões do juiz e do advogado, sendo uma forma de demarcar a posição de cada um no foro e estabelecer a sua respectiva função social.
Uma melhor exemplificação do que é estar guiando um automóvel (o juiz) e pilotando uma motocicleta (o advogado) é dada pelo grande jurista Piero Calamandrei, quando explicita a função de cada qual no foro.

“Quando a corte entra, todo sussurro se cala. Seu trabalho (o juiz) se desenrola longe dos tumultos, sem imprevistos e sem precipitações; você ignora a ansiedade do improviso, as surpresas de última hora; não precisa quebrar a cabeça para encontrar argumentos, porque deve apenas escolher entre os que foram encontrados por nós, advogados, que realizamos para você o duro trabalho de escavação; e, para melhor meditar sobre a sua escolha, tem o dever de sentar-se em sua cômoda poltrona, enquanto os outros homens sentam-se para descansar, para você, o período de maior trabalho.” (CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, vistos por um Advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1997, pág. 389).

O juiz, tal como qualquer outro servidor público, tem a sua função estritamente atrelada aos dogmas estatais, com suas prerrogativas e benefícios instituídos previamente. Seria como guiar o automóvel acima aduzido, uns com o luxo e outros sem, mas com a mesma perspectiva de segurança e, sobretudo, com a repetição de atos já estabelecidos, como quem fica indiferente se o dia chove ou faz sol. Guiar este automóvel estatal significaria seguir na mesma linha de pensamento e de procedimentos diários, a exemplo de quem faz as mesmas sentenças, despachos e demais atos correlatos todos os dias.
Para muitas pessoas, este pode ser um objetivo de vida, um ideal que se perfaz ao simplesmente guiar um automóvel nas mesmas ocasiões. A segurança oferecida pelo automóvel estatal pode questionar os motivos pelos quais tantos “insanos” profissionais escolhem a “insensatez” de pilotar a motocicleta da advocacia, tal como o Easy Rider (Sem Destino), um clássico filme de 1969.
Pilotar a motocicleta da advocacia na estrada profissional da vida não é nada fácil, principalmente se considerarmos a sensação de insegurança da motocicleta em face do caminho a seguir. O advogado, enquanto piloto de motocicleta, sempre estará à mercê de chuvas torrenciais ou dilúvios homéricos, ficando sempre no olho do furacão. Ou seja, se um contrato de prestação de serviços advocatícios estiver à mercê de uma eventual condição e se esta não se perfizer por razões alheias às vontades do advogado, este terá o seu reconhecimento e esforço execrados, refletindo em causas futuras. Enquanto isso, o juiz guiará o seu automóvel, longe de qualquer eventual chuva.
Porém, a sensação de insegurança da motocicleta advocatícia é contrastada com a sensação de certa liberdade proporcionada. Nada mais reconfortante do que imaginar o vento sacudindo os cabelos e as roupas. A chuva também poderia ser vista não tanto como uma intempérie perversa, mas como uma benesse para esfriar os dias quentes, como quem jamais esperaria sair vitorioso em um difícil pleito.
A liberdade da motocicleta advocatícia faz com que o advogado não se atrele somente a um caminho diariamente, o que não quer dizer que fuja a normas e convenções sociais. É a liberdade de não ter que se atrelar a uma só linha de pensamento, com a possibilidade de criar novos caminhos jurisprudenciais. É a liberdade de escolher procedimentos adequados para cada fato, a liberdade de fazer chover a cântaros inesperados de contratos profissionais, a liberdade de abdicar um pleito temerário diante dos buracos encontrados no caminho e a liberdade de arriscar nas inovações.
 O advogado, enquanto piloto desta motocicleta, escolhe o melhor caminho a seguir, sempre com prudência, em razão de estar mais exposto aos percalços da vereda profissional. São teses e antíteses da advocacia, a liberdade em contraste com a insegurança, o que torna perene a consciência do desiderato da profissão.
Cada carreira jurídica escolhida tem o seu louvável préstimo para a sociedade, sendo a eterna busca da justiça o maior objetivo perseguido. Em relação à analogia supra referida, é perfeitamente compreensível e louvável que o juiz, ou qualquer outro servidor público, guie o seu respectivo automóvel, bem como o advogado possa pilotar a sua motocicleta. A diferença na forma em que se caminha na estrada jurídica é equacionada para um único fim, qual seja, a justiça e, consequentemente, a paz social.
Assim, não se espera que o juiz, o promotor, ou outro servidor público, sejam ligados a qualquer vínculo humano, de simpatia, de amizade ou de aproximação ao povo. Parafraseando Calamandrei, quando se fala de aproximar a justiça do povo, não se pretende, pois, fazer os juízes ou promotores descerem de suas cadeiras e mandá-los passear entre a gente, como peregrinos anunciadores do direito. Essa é a função social reservada essencialmente aos advogados. “O povo pode não conhecer seu juiz, mas deve conhecer seu advogado e ter fé nele, como num amigo livremente escolhido.” (CALAMANDREI, Piero. Op. Cit. pág. XLVI.)
Não porque se deva situar advogado como um profissional privilegiado, senão pelo que signifique esse tratamento como fator de êxito da sua missão peculiar – aproximar a justiça do povo. O advogado não é um burocrata imposto aos réus, o que impossibilitaria a compreensão humana que diz respeito à livre eleição das amizades e a confiança do povo na justiça do Estado. O advogado é escolhido livremente, como quem escolhe um amigo para ser irmão e confessor, utilizando-se da doutrina e de sua eloquência para confortar no acompanhamento da dor. Essa é a função social do advogado enquanto consciente da repercussão profissional de sua carreira.
A escolha pela advocacia está estigmatizada na consciência dos deveres, prerrogativas e percalços que cercam a profissão, sendo a obediência a esta consciência a sua função social. Desta feita, quando o advogado assume um pleito, terá obrigatoriamente que assumir a consciência de todas as vicissitudes que rodeiam a profissão, ou seja, passa a tomar consciência de que está pilotando a motocicleta e todos os incidentes que possam decorrer desta escolha.
A escolha da advocacia é a escolha da prudência e da liberdade de pilotar uma motocicleta, como na analogia alhures referida, sendo a consciência desta escolha, ou seja, a consciência da função social da profissão, que será o recurso moral para coibir ou prevenir possíveis desmandos na profissão, aproximar a justiça do povo e, consequentemente, trazer a paz social.
Enfim, a consciência da função social da advocacia será a panacéia ou a cura para todos os males da profissão. Mas, independente da função social da advocacia, cada ente do judiciário deve ter em vista a sua própria função social, para que o destino dos cidadãos não seja obscuro e a Justiça tenha momentos de glória, como dizia o grande jurista Evandro Lins e Silva:

“A Justiça tem seus momentos grandiosos e de glória. E isso depende muito dos homens que a compõem: advogados capazes, promotores com sentido exato dos seus deveres e juízes com a compreensão de que os réus são seres humanos e podem ser inocentes ou vítimas de armadilhas que o destino tece e prepara do modo mais imprevisto e desgraçado.” (LINS E SILVA, Evandro. O Salão dos Passos Perdidos.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Ed. FGV, 1997, pág. 107)


O ENSINO DA ÉTICA NO CURSO DE DIREITO





Quando um jovem estudante ingressa à Faculdade de Direito no Brasil, se depara com disciplinas que tentam explicar a ética dando, a esta, um cunho filosófico ou sociológico, ou seja, a deontologia. Mais à frente, o acadêmico começa a estudar a ética aplicada à Advocacia, se deparando com o Código de Ética e Disciplina da OAB. Neste lapso temporal, que liga essas matérias, o aluno também começa a estudar outras disciplinas, tais como: o Direito Penal, o Direito Civil, o Direito do Trabalho, as Disciplinas Processuais, etc.
             Ao estudar tais disciplinas, o estudante observa que não há uma menção totalmente ética impositiva ao não cumprimento de determinados atos processuais por parte do Advogado. Observa, sim, que o não cumprimento de determinados atos pode acarretar na perda de uma ação ou causa para o Advogado, como, por exemplo, a não observância de um prazo. Ou seja, o estudante está mais preocupado, do ponto de vista da Advocacia, com o que vai ocorrer ao processo do que vai ocorrer à moral, em sentido geral. Vislumbra, o acadêmico, uma importância maior às disciplinas práticas, ou teórico-práticas, para que possam ser utilizadas em um processo que esteja atuando.
            Encara-se geralmente a ética como algo inteiramente abstrato e é por isso que ela é detestada em segredo, assim lecionava o professor Kierkegaard. Quando se pensa que ela é estranha à personalidade, é difícil alguém entregar-se a ela, porque não se sabe ao certo o que disso resultará.
Em verdade, o acadêmico de direito se tem como uma pessoa que nunca vai usar de artifícios anti-éticos em sua profissão. Em outras palavras, ele não estuda apropriadamente a ética porque acha que nunca vai faltar com ela. Acha que, se faltar com a ética, a sanção será muito pequena em relação aos “frutos do processo”. Esquece, o estudante de direito, que a ética deve ser aplicada independentemente do processo, devendo ser algo intrínseco ao profissional. Tal fato distingue o bom do mau profissional.
A inteligência acadêmica do ensino do direito não oferece praticamente nenhum preparo para o torvelinho jurídico ou oportunidade que trazem as vicissitudes de vida. Saber que uma pessoa é um oradora de turma é saber apenas que ela é muitíssimo boa no rendimento avaliado por notas. Nada diz como ela reage às contingências da vida, principalmente no que diz respeito à ética.
Por isso, a primeira mudança, no sentido de tentar externar a ética, deve partir do próprio estudante, pois, como diz o adágio popular, “costume de casa se leva à praça”, em analogia à ética: “costume da faculdade se leva à vida profissional”. Ou seja, o estudante é o que é a partir da faculdade, devendo aprender o que seja certo ou errado e eliminar os vícios éticos enquanto aprendiz.
O Ensino da Ética nas Faculdades de Direito deveria ser mais consistente e contundente, de modo a despertar o altruísmo dos acadêmicos em relação à sociedade. Uma aula simplesmente teórica de ética só gera o efeito que ficou conhecido nas Faculdades de Direito como o efeito da “Estante”, ou seja, uma apologia ao estudante que se forma e coloca o Código de Ética à vista na estante do seu escritório, para que possa ser visto pelos seus clientes, os quais já fazem um bom pré-julgamento.

terça-feira, 19 de junho de 2012

SOBRE O DIREITO DE DISCORDAR

            Há aproximadamente quatro séculos atrás, o filósofo iluminista francês Voltaire (1694-1778) imortalizou a célebre frase: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. A referida frase enceta aquilo que ficou conhecido como “O Direito de Discordar”, que não se constitui como um mero exercício de oposição cega e acrítica, mas a concepção de um direito existente em face das divergências do estado das coisas diante da visão excludente e, muitas vezes, do senso comum.
            Por outro lado, discordar não se constitui necessariamente um direito, haja vista que qualquer pessoa tem a faculdade de dissentir ou ter opinião oposta a da outra. No entanto, discordar, como um direito do advogado, se exprime como um apostolado do estado democrático de direito e de defesa das liberdades.
            O direito de discordar, como objeto da dialética, se constitui como uma legítima oposição em busca de uma síntese ou resultado que seja racional e juridicamente aceitável. À luz desta verdade, diante das recentes discussões acerca da chamada união homoafetiva, por exemplo, é legítimo o direito que uma pessoa tem de discordar do conceito que a união entre duas pessoas do mesmo sexo seja considerada família, sobretudo se este direito de discordar esteja calcado em uma orientação religiosa que esta pessoa possua. Da mesma forma, se afigura igualmente legítimo o direito que outra pessoa tenha de discordar que o conceito de família esteja adstrito à união heterossexual.
            É importante evidenciar que uma orientação religiosa não pode se utilizar do seu direito de discordar como instrumento de fomento de radicalismo, preconceito e discriminação. No mesmo sentido, aquele que defende a união homoafetiva não pode se utilizar do seu direito de discordar como mecanismo de chacota ou escárnio da orientação religiosa de outrem.
            O exemplo acima evidencia que, independentemente do entendimento ou opinião pessoal, é absolutamente legítimo o direito que uma pessoa tenha de não concordar e de lutar para que não seja impedida de expressar suas convicções, devendo sempre manter o respeito das diferenças e a coexistência com entendimentos diversos.
            Em outro exemplo no passado recente, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, agitou discussões acirradas sobre a legalização da maconha. As discussões fomentaram algumas marchas nas principais cidades do Brasil, mas foram reprimidas por meio de decisões judiciais e atitude volitiva de autoridades policiais sob o argumento de que tais marchas seriam consideradas como apologia ao uso de drogas e, por conseguinte, apologia ao crime.  
            Com a polêmica instaurada, surgiu uma questão muito mais relevante do que a relativa ao fato de a marcha ter ou não a capacidade de estimular o consumo de drogas. Trata-se da discussão sobre os limites à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento. Quais seriam os limites aceitáveis e compatíveis com a Constituição Federal de 1988? Que limites poderiam ser legal e legitimamente impostos à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento?
            Tais questionamentos foram objeto de importante decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por meio de uma ação manejada pela Procuradoria-Geral da República, garantiu o direito de cidadãos realizarem manifestações pela descriminalização de drogas, sem que isso seja considerado apologia ao crime. Não se trata de uma decisão que reconhece a descriminalização da maconha, mas que garante o direito do cidadão de discutir ou manifestar-se publicamente pela legalização. Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal defendeu exatamente aquilo que se afigura como apostolado do exercício da advocacia, qual seja: o direito de discordar.
            O direito de discordar é algo muito mais legítimo e comum do que se possa imaginar, exercido principalmente por meio de discussões judiciais em torno de questões mais comezinhas. No entanto, mesmo fora do âmbito judicial, é factível e perfeitamente legítimo o direito de discordar sobre várias questões nevrálgicas, tais como: o voto obrigatório; as políticas de quotas; as cartilhas educacionais emanadas dos órgãos públicos; a distribuição de receitas no Brasil; entre outras questões. É possível concordar com essas questões? Não? Tudo bem! Como Voltaire, o importante é defender o direito de pensar diferente, ou seja, é imprescindível que seja respeitado o direito de discordar.
            Pelo direito de discordar, podemos nos credenciar como interlocutores do chamado estado democrático de direito e do exercício das liberdades. É imbuído desse sentimento que esse blog está afeto, sendo paráfrase do subtítulo da obra “O Direito do Advogado em 3D: um Sacerdócio”, da lavra deste escriba e que deu origem ao opúsculo virtual.
             Boa viagem e não deixem de discordar!